terça-feira, 23 de janeiro de 2018

Os Portugal x Inglaterra que pararam o mundo


As relações entre Portugal e Inglaterra, do ponto de vista histórico, sempre foram amistosas, com o primeiro acordo diplomático entre as duas nações(na época ainda reinos) datado de 1373 com a Aliança Luso-Britânica. Essa união se fez valer em vários conflitos nos séculos seguintes, como a Guerra da Sucessão Espanhola em 1703 e no auxílio à fuga da Família Real de Napoleão em 1807.

Mas no futebol, uma paixão compartilhada entre os dois países, não foram poucos os conflitos. Só na Copa do Mundo foram três confrontos entre as duas seleções, curiosamente todas eles acontecendo em anos terminados em "6" a cada 20 anos - ou 5 Copas - à partir do primeiro confronto, em 1966, colocando frente a frente grandes gerações dos dois selecionados. E é sobre essas partidas que iremos nos aprofundar hoje:

1966 -



A Inglaterra era o centro do planeta naquele ano de 66. Era o lar daqueles 4 talentosos garotos de Liverpool, vivia um cenário de efervescência cultural poucas vezes visto e, mais importante: era o país sede da Copa do Mundo daquele ano. E contava com a talvez melhor seleção do mundo à época: Gordon Banks garantia a segurança no gol, o craque Bobby Moore desfilava classe pela defesa, Charlton era a cabeça pensante, e Roger Hunt e Jimmy Greaves(depois Geoff Hurst) eram as garantias de gol.

Sempre jogando no imponente Wembley, a Inglaterra estreou na Copa com um empate a 0 com o Uruguai de Mazurkiewicz e Pedro Rocha no dia 11 de julho. 5 dias depois conquistou a primeira vitória após vencer o México por 2x0 com gols de Charlton e Hunt. O mesmo Hunt faria os dois gols da vitória sobre a França na última partida da fase de grupos. Nas quartas venceria a Argentina com gol de Hurst - que tomou o lugar de Greaves após esse se machucar no segundo jogo - em uma partida cheia de polêmicas que ainda hoje dão o que falar.

Portugal, se não tinha toda a grife da Inglaterra, também era um time com seus predicados: a começar pelo fato da base da seleção ser o Benfica bicampeão da Copa dos Campeões e treinados pelo "bruxo" Bela Guttmann. Na equipe haviam bons jogadores como Torres, Simões e José Augusto mas os craques eram o meio de campo Coluna, que como já diz o nome era o principal esteio da equipe na meia cancha e é claro, o Pantera Negra, Eusébio: o melhor jogador português da história até Cristiano Ronaldo.

Portugal começou sua trajetória vencendo a Hungria por 3x1, gols de José Augusto(2x) e Torres, venceria a Bulgária por 3x0 com gols de Vutsov contra, Torres e Eusébio. Na rodada final sapecaram 3x1 no Brasil com gols de Antônio Simões e Eusébio(2x), em jogo marcado pelos lances ríspidos e violência por parte das duas equipes. Nas quartas venceu a Coréia do Norte por 5x3 após estar perdendo por 3x0 com 25 minutos de jogo, Eusébio fez o primeiro poker da história das Copas e Augusto ampliou.

As duas equipes se enfrentariam em um Wembley lotado com mais de 94 mil pessoas para decidir quem iria para uma inédita final contra a já classificada Alemanha Ocidental de Beckenbauer, Muller e Seeler.

Os capitães Coluna e Moore. Elegância e seriedade à serviço de suas seleções
A partida começou com Portugal se lançando ao ataque e Banks impedindo com segurança que as jogadas de perigo dos lusos trouxessem maiores sustos. A Inglaterra investia nos contra-ataques e abriria ao placar aos 30' com o camisa 9 Bobby Charlton: o lateral Wilson enfiou bola entre a zaga para Hunt, mas o goleiro tuga Pereira o bloqueou, mas na sobra o futuro Sir conferiu da entrada da área. Inglaterra 1x0.

O segundo gol só sairia no segundo tempo, mais uma vez com Bobby: aos 80', Hurst dominou bola na grande área e mesmo marcado conseguiu se virar e passar a bola para a entrada da área, onde Charlton chegou finalizando forte de direita. 2x0 para os donos da casa. A alegria por ter chegado na sua primeira final de mundial talvez tenha feito os ingleses perderem um pouco o rumo das coisas: Simões cruzou da direita, Torres cabeceou mas a bola não iria passar a linha, mas Jack Charlton parou a bola com a mão e cometeu pênalti bobo. Na cobrança, Eusébio converteu e fez seu oitavo gol na Copa e o primeiro gol sofrido pela Inglaterra no torneio.

O que aconteceu em seguida: A Inglaterra venceria a Copa após ganhar da Alemanha por 4x2 na prorrogação, em uma partida cheia de polêmicas e com um gol "fantasma". Já Portugal também teve o que comemorar após vencer a União Soviética e cravar seu 3º lugar na Copa - o mais alto que chegou numa Copa, empatado com 2006 - além de ter o artilheiro do torneio, Eusébio, com 9 gols.

1986 -



No ano da Copa onde Maradona de el diés se tornou el diós, Portugal voltava a sua primeira Copa desde aquela geração de Eusébio e Coluna, vinte anos antes. A equipe era formada basicamente por jogadores do Benfica e do Porto, que faziam bom papel na Europa à época: o Benfica havia sido vice na Recopa Européia para o Anderletch em 83, e o Porto para a Juventus na mesma competição no ano seguinte.  Nomes como o goleiro Manuel Bento, o meia Paulo Futre - esse inexplicavelmente na reserva - e Fernando Gomes eram os destaques.

A Inglaterra após chegar a ficar 12 anos sem participar de um mundial, conseguia emendar sua segunda participação seguida. Com a sua melhor seleção desde 70, tendo o goleiro Peter Shilton, o meia Bryan Robson e o atacante Gary Lineker como destaques de uma seleção formada por jogadores que participaram da grande década dos ingleses a nível europeu, que teve um fim abrupto com a Tragédia de Heysel, ocorrida um ano antes, e o consequente banimento dos times ingleses de todas as competições europeias de clubes por 5 anos.

As duas seleções estavam no Grupo F, junto a Marrocos e Polônia e fariam o segundo jogo da primeira rodada do grupo no Estádio Tecnológico, em Monterrey para em torno de 23 mil pagantes. Apesar do favoritismo inglês, seria a seleção lusa que abriria o placar já no segundo tempo, aos 76': Souza recebeu do goleiro pela direita, avançou e esticou para Diamantino, que deixou Sansom perdido com seu drible, avançou até dentro da área e cruzou rasteiro para Carlos Manuel chegar completamente desmarcado no primeiro pau, conferir pro gol.

O que aconteceu em seguida: Apesar do que esse resultado inicial poderia sugerir, como bem sabemos os dois times tomaram rumos opostos. Portugal, envolto nas polêmicas do Caso Saltillo, acabaria perdendo os dois jogos seguintes e seria eliminado na primeira fase da Copa.  Já a Inglaterra empataria com o Marrocos - que surpreendentemente foi o líder do grupo - e venceria a Polônia por 3x0 com um hat-trick de Lineker, passaria do Paraguai nas oitavas com outros dois gols de Lineker e só pararia por conta dos pés - e da mão! - de Maradona nas quartas. Quando o Sr. Lineker também deixou seu gol...

2006 -



Talvez o jogo mais emblemático entre as duas seleções, ou pelo menos o mais lembrado, até por ser relativamente recente. Na época, nunca a Inglaterra tinha sido tão portuguesa quanto naqueles tempos: o Chelsea, bi-campeão inglês da temporada recém-terminada era treinado pelo Special One José Mourinho. No elenco dos Blues, alguns internacionais portugueses de importância como o zagueiro Ricardo Carvalho, o volante Maniche e o lateral Paulo Ferreira. Além de Tiago que deixou o time rumo ao Lyon depois do primeiro título. Sem falar no ainda jovem Cristiano Ronaldo, maior promessa da Premier junto com o inglês Wayney Rooney, causando pesadelos pelas pontas do Manchester United e a ponto de finalmente estourar de vez.

Também haviam os destaques que jogavam fora da Terra da Rainha como Luís Figo e Deco - que alguns anos depois iria jogar no Chelsea -, da dupla de rivais espanhóis Real Madrid e Barcelona, respectivamente, e Petit, Pauleta e Simão. Todos eles comandados pelo pentacampeão do mundo Felipe Scolari. Portugal vinha de duas excelentes campanhas na Euro - apesar da traumática derrota para a Grécia em casa, na Euro 2004, e uma decepcionante eliminação na primeira fase na Copa de 2002, que havia sido o primeiro mundial que os tugas participavam desde 1986.

A seleção das quinas passou em primeiro em um grupo que contava com Irã, México e sua antiga colônia e estreante em Copas, Angola. O primeiro jogo foi contra os africanos e vencido com um gol de Pauleta; venceria o Irã pro 2x0 com gols de Deco e Ronaldo e o México por 2x1 gols de Maniche e Simão - Fonseca descontou para os mexicanos. Nas oitavas, enfrentaram a Holanda no jogo conhecido como "A Batalha de Nuremberg" pela violência demonstrada pelas duas equipes em campo. Não à toa esse foi o jogo com mais cartões da história das Copas: 16 amarelos e quatro vermelhos. E cabia mais...

O English Team ostentava a sua melhor geração desde a seleção campeã do mundo em 1966: Terry e Ferdinand na zaga, na lateral esquerda Ashley Cole, no meio de campo Beckham, Lampard, Gerrard e Joe Cole, o cara que segundo Galvão Bueno era quem "jogava de verdade" naquele time. No ataque Owen e Rooney - que começou banco de Crouch!A Inglaterra tinha um estigma parecido com o da seleção belga hoje em dia: possuía uma seleção forte mas que "pipocava" na hora de dar vôos mais altos. E já tinha certo trauma com a seleção portuguesa após perder tanto na Euro 2000 quanto na Euro 2004, essa última nos pênaltis.

Os ingleses também passaram em primeiro, no Grupo B que contava com Suécia, Paraguai e os estreantes Trindad e Tobago. Venceram os paraguaios por 1x0 com gol contra do grande Gamarra - no que era o gol contra mais rápido das Copas até Kolosinac em 2014 ser ainda mais precoce em auxiliar os adversários. Venceu Trindad e Tobago por 2x0 gols de Crouch e Gerrard e empatou a 2 com a Suécia gols de Joe Cole e Gerrard - Allbäck e Larsson para os nórdicos. Nas oitavas, eliminou o Equador com gol de Beckham.

A partida válida pelas quartas de final foi sediada na Veltins Arena, em Gelsenkirchen para um público de 52.000 pessoas. O jogo foi truncado e amarrado, com as principais chances saindo de chutes de média e longa distância. Tanto que o que acabou ficando de mais marcante na partida foi AQUELA piscadela de Cristiano Ronaldo.

Para quem não se lembra: aos 60' minutos do jogo, Rooney se enroscou com Carvalho e acabou deixando sobrar o pé nas partes baixas do zagueiro. Imediatamente após isso logo chegou Ronaldo pedindo a expulsão do camisa 9 inglês - que ocorreria em seguida - nada de tão anormal e polêmico. Se não fosse o fato do português ser companheiro de clube e um dos colegas de Rooney. Só piorou o fato de que logo após a expulsão, o camisa 17 lançou uma piscadela ao banco português, o que fazia parecer que foi tudo premeditado. A pressão da mídia inglesa quase fez aquele United implodir e Ronaldo sair do clube, mas isso é história para outro dia...

Essa piscada iria gerar uma treta...
O 0x0 se manteve durante todo tempo regulamentar e perdurou na prorrogação. Pênaltis. A memória da disputa em 2004 ainda era fresca na mente de ingleses e portugueses. Simão iniciou a disputa e bateu bem no canto direito do goleiro; Lampard iniciou a cobrança para os ingleses e Ricardo defendeu no canto esquerdo; Viana acabou tirando muito do goleiro e mandou para fora; Hergreaves faria o primeiro da Inglaterra na disputa e Petit na sequência madnou para fora. As coisas pareciam que iriam complicar para os portugueses, mas não foi o que ocorreu: Gerrard foi cobrar e Ricardo voou no canto esquerdo para defender; Postiga converteu o seu e Ricardo defendeu o penal de Carragher. Aí só bastou Cristiano converter a última cobrança e colocar Portugal numa semifinal de Copa após 40 anos.

O que aconteceu em seguida: Portugal acabaria eliminado pela França de um espetacular Zinedine Zidane, com um gol de pênalti do próprio, em uma partida cheia de decisões discutíveis do juiz. Na decisão de terceiro lugar, acabariam pela dona de casa Alemanha, por 3x1. Jogo que marcou a despedida de Figo e Pauleta do selecionado português.

Se a sina seguir, podemos esperar um jogo movimentado na Copa de 2026.





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